A ilusão do reflexo
Conta-se que um pai deu a sua filha um colar de
diamantes de alto preço.
Misteriosamente, alguns dias depois o colar
desapareceu. Falou-se que poderia ter sido furtado.
Outros afirmaram que talvez um pássaro tivesse sido
atraído pelo seu brilho e o levado embora.
Fosse como fosse, o pai desejava ter o colar de
volta e ofereceu uma grande recompensa a quem o
devolvesse: R$ 50.000,00.
A notícia se espalhou e, naturalmente, todos
passaram a desejar encontrar o tal colar.
Um rapaz que passava por um lago, próximo a uma área
industrial, viu um brilho no lago.
Colocou a mão para proteger os olhos do sol e
certificou-se: era o colar.
O lago, entretanto, era muito sujo, poluído, e
cheirava mal.
O rapaz pensou na recompensa. Vencendo o nojo,
colocou a mão no lago, tentando apanhar a jóia.
Pareceu pegá-la, mas sentiu escapulir das suas mãos.
Tentou outra vez. Outra mais. Sem sucesso.
Resolveu entrar no lago. Emporcalhou toda sua calça
e mergulhou o braço inteiro no lago.
Ainda sem sucesso. O colar estava ali. Mas ele não
conseguia agarrá-lo. Toda vez que mergulhava o
braço, ele parecia sumir.
Saiu do lago e estava desistindo, quando o brilho do
colar o atraiu outra vez.
Decidiu mergulhar de corpo inteiro. Ficou imundo,
cheirando mal. E ainda nada conseguiu.
Deprimido por não conseguir apanhar o colar e
conseqüentemente, a recompensa polpuda, estava se
retirando, quando um velho passou por ali.
O que está fazendo, meu rapaz?
O moço desconfiou dele e não quis dizer qual o seu
objetivo. Afinal, aquele homem poderia conseguir
apanhar o colar e ficar com o dinheiro da
recompensa.
O velho tornou a perguntar, e prometeu não contar a
ninguém.
Considerando que não conseguia mesmo apanhar o
colar, cansado, irritado pelo fracasso, o rapaz
falou do seu objetivo frustrado.
Um largo sorriso desenhou-se no rosto do
interlocutor.
Seria interessante, falou em seguida, que você
olhasse para cima, em vez de somente para dentro do
lago.
Surpreso, o moço fez o recomendado. E lá, entre os
galhos da árvore, estava o colar brilhando ao sol.
O que o rapaz via no lago era o reflexo dele.
A felicidade material se assemelha ao reflexo do
colar no lago imundo.
Na conquista de posses efêmeras, quase sempre
mergulhamos no lodo das paixões inconseqüentes.
A verdadeira felicidade, no entanto, não está nas
posses materiais, nem no gozo dos prazeres.
Ela reside na intimidade do ser. Nada ruim em se
desejar e batalhar por uma casa melhor, um bom
carro, roupas adequadas às estações, uma refeição
deliciosa.
Nada ruim em desejar termos coisas. A forma como as
conquistamos é que fará a grande diferença.
Se para as conseguir, necessitamos entrar no lodaçal
da corrupção, da mentira, da indignidade, somente
sairemos enlameados, e infelizes.
Esse tipo de felicidade é como o reflexo do colar na
água: pura ilusão.
Somente existe verdadeira felicidade nas conquistas
que a honra dignifica, que a consciência não nos
acusa.
Pensemos nisso. E, antes de sairmos à cata
desesperada de valores materiais expressivos,
analisemos o que necessitamos dar em troca.
Porque nada vale que mereça sacrificar a honra, a
dignidade pessoal, a auto-estima, a vida espiritual.
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Alexandre Miguel de Andrade Souza
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