segunda-feira, setembro 24, 2007

Pelo valor do conteudo....

O texto abaixo me levou à reflexão de que devemos valorizar os "clientes essenciais", aqueles que sofrem para adquirir, sempre pagam as contas e são sempre injustiçados...

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Alexandre Miguel de Andrade Souza

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Clientes Especiais
Maria Rita Kehl (especial para a Folha de São Paulo)




Antes de mais nada, como já se notou, existe o viés
social.
De um lado existem "jovens" que ocasionalmente cometem
atos delinqüentes. É o caso de Júlio, Leonardo e seus
colegas, espancadores da Barra [cinco acusados de
agredir e roubar uma empregada doméstica na zona oeste
do RJ no domingo passado]. Inspiram-nos cuidado
semelhante ao que dispensamos aos nossos filhos.
Tentamos compreender: o que aconteceu? (Psicólogos são
chamados a justificar.).
E existem os outros, os que já são bandidos antes de
chegar (quando chegam) diante do juiz. A execução
sumária confirma, a posteriori, o veredito que a
imprensa divulga sem questionar: "A polícia matou 18
"suspeitos" em confrontos com supostos "bandidos'"...
Ninguém persegue o resultado das investigações sobre
as tantas chacinas que caem no esquecimento.
O que distingue uns dos outros é o número do CEP: na
Barra, nos Jardins [em SP], no Plano Piloto [em
Brasília] vivem os jovens. Os outros, adultos anônimos
desde os 14, vêm de bairros que não figuram
no mapa: "Periferia é periferia em qualquer lugar".
Qualquer delegado de bom senso percebe na hora a
diferença. Se a cor da pele confirmar o veredito,
melhor. A sociedade, representada pelo dr. Ludovico
Ramalho, pai de Rubens Arruda, se tranqüiliza: as
travessuras dos "jovens", adultos infantilizados das
classes A e B, não ameaçam a segurança da gente de
bem.
Espancaram uma doméstica, mas pensavam que fosse
prostituta. Ah, bom. Nos bairros onde vivem os jovens
não há solidariedade com os chacinados das favelas,
com os executados a esmo em Queimados [na noite de 31
de março de 2005, 29 pessoas foram assassinadas em
diferentes pontos dos municípios de Nova Iguaçu e
Queimados, na Baixada Fluminense], com os meninos
abatidos na praça do Jaraguá, em SP [em 6/5, quando
sete pessoas foram mortas em praça da zona norte da
capital].
Os movimentos "pela paz" nunca se manifestam por eles.
**Ninguém de fora**
Mas, quanto mais o Brasil maltrata seus pobres, quanto
mais a polícia sai impune dos excessos cometidos
contra os anônimos cujas famílias não protestam por
temor de represálias, quanto mais o país confia na
lógica do "nós cá, eles lá", mais o gozo da violência
se dissemina entre todas as classes sociais.
Para pacificar o país, seria preciso redesenhar o mapa
do respeito e da civilidade de modo a não deixar
ninguém de fora. Uma sociedade que assiste sem se
chocar, ou sem se mobilizar, ao extermínio dos pobres
-bandidos ou não- está autorizando o uso da violência
como modo de resolução de conflitos, à margem da lei.
Tomemos o ato de delinqüência cometido pelos meninos
"de família" da Barra, no Rio. Que a culpa seja dos
pais, vá lá. As declarações do pai de Rubens Arruda
são reveladoras. Não que ele não transmita valores a
seu filho.
Mas serão valores relacionados à vida pública? Não
terá o dr. Ludovico educado seu filho para "levar
vantagem em tudo"? Esse pai não admite que o filho
seja punido pelo crime que cometeu.
Há aqueles que não admitem que a escola reprove o
jovem que tirou notas baixas, os que ameaçam o síndico
do condomínio que mandou baixar o som depois das 22h
etc.
Olham o mundo pela ótica dos direitos do consumidor:
se eu pago, eu compro. Entendem seus direitos (mas
nunca seus deveres) pela lógica da vida privada, como
fizeram as elites portuguesas desde a colonização.
Quem disse que os jovens não lhes obedecem? Obedecem
direitinho. Param em fila dupla, jogam lixo nas ruas,
humilham os empregados - igualzinho a seus pais.
Vez por outra, quando os pais precisam impor alguma
interdição, já não se sentem capazes.
O que nos coloca a pergunta: que valores, que
representações, no imaginário social, sustentam o
exercício necessário da autoridade paterna? Em nome de
que um pai ou uma mãe, hoje, se sentem autorizados a
coibir ou mesmo punir seus filhos?
A autoridade não é um atributo individual das figuras
paternas. A autoridade dos pais -e da escola, que
também anda em apuros (quem viu "Pro Dia Nascer
Feliz", de João Jardim?) -deriva de uma lei simbólica
que interdita os excessos de gozo.
Uma lei que deve valer para todos. O pai que "tem
moral" com seus filhos é aquele que também se submete
à mesma lei, traduzida em regras de civilidade, de
respeito e da chamada boa educação.
**Cliente especial**
Mas em nome de que, no imaginário social, a lei
simbólica se transmite? Já não falamos em "Deus,
pátria e família", significantes desmoralizados em
nome dos quais muitos abusos foram cometidos,
sobretudo no período de 1964 a 1980.
No lugar deles, no entanto, que outros valores ligados
à vida pública foram inventados pela sociedade
brasileira? Em nome de que um pai que diz "não pode"
responde à inevitável pergunta: "Não posso por quê"?
Ocorre que a palavra de ordem que organiza nossa
sociedade dita de consumo (onde todos são chamados,
mas poucos os escolhidos) é: você pode. Você merece.
Não há limites pra você, cliente especial.
Que o apelo ao narcisismo mais infantil vise a
mobilizar apenas a vontade de comprar objetos não
impede que narcisismo e infantilidade governem a
atitude de cada um diante de seus semelhantes
-principalmente quando o tal semelhante faz obstáculo
ao imperativo do gozo.
O que queriam os rapazes que espancaram Sirlei Dias de
Carvalho Pinto? Um celular usado? Um trocado para
comprar mais um papel? Descontar a insegurança sexual?
"No limits", diz um anúncio de tênis. Ou de cigarro,
tanto faz. E os meninos obedecem. No fundo, são
rapazes muito obedientes. Se a ordem é passar dos
limites, pode contar com eles.
(Texto disponível em http://omorto.blogspot.com/)



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